Novo padrão contábil “monetário”

Consta das propagandas que a Lei 12.249 é a concretização de um sonho da classe contábil

Nesse momento em que o fanatismo contábil chapa-branca, intrépido em sua irracionalidade, toma a dianteira, às vezes na pele mais exposta e explícita em e-mails e cursos chancelados, é oportuno anotar algumas mudanças no padrão contábil “monetário” que, ao que parece, não interessa ser divulgadas pelos diplomatas dos saberes contábeis.

Consta das propagandas que a Lei 12.249 é a concretização de um sonho da classe contábil (sic), pois com as mudanças produzidas no Decreto-lei 9.295 o Conselho Contábil ganha (a partir de agora!) competência legal para “regular acerca dos princípios contábeis, do exame de suficiência, do cadastro de qualificação técnica e dos programas de educação continuada, e editar normas brasileiras de contabilidade de natureza técnica e profissional”.

 

Sobre propagandas oficiais o filósofo Bertrand Russell é preciso ao descrever que existem dois males bem diferentes: por um lado, seu apelo é em geral para causas irracionais de crenças (uma “lei” valoriza uma classe?) e não para argumentos sérios; por outro, ela propicia uma vantagem injusta para aqueles que podem recorrer a mais publicidade, seja por meio da riqueza ou do poder.

De minha parte, inclino-me a destacar o novo padrão contábil “monetário” trazido pela Lei 12.249, e que não faz parte das propagandas nem das opiniões apadrinhadas.

A referida lei, alterando o art. 21 do Decreto-lei 9.295, prescreve que na fixação das anuidades devidas ao Conselho Contábil serão observados os limites (sic) de R$ 380,00 para pessoas físicas e R$ 950,00 para pessoas jurídicas, sendo permitida a correção anual pelo IPCA. Estamos diante de um novo padrão contábil “monetário”, o valor das anuidades foi regulado por lei, e reajustado.

Nesse ponto é imperioso destacar o posicionamento do STJ, para quem as anuidades dos conselhos profissionais têm natureza tributária e, por isso, seus valores somente podem ser fixados nos limites estabelecidos em “lei”, não podendo ser arbitrados por resolução ou atos administrativos.

É extremamente assustador pensar, então, que nos últimos 20 anos a anuidade do Conselho, de acordo com pacífica e remansosa jurisprudência dos tribunais brasileiros, foi fixada de forma indevida, por meio de resoluções. Ocorre que de acordo com as normas jurídicas vigentes nesse período a anuidade devida foi de R$ 38,00, até agora com a entrada em vigor da Lei 12.249 (com efeitos na anuidade a partir de 2011).

Não se pode negar que na relação entre o profissional habilitado e o seu conselho de classe, além da norma jurídica impositiva, no dever-ser, haja um Pacto Psicológico implícito, onde a boa-fé se reveste em algo muito maior que uma simples expectativa. Nesta relação de boa-fé, o profissional habilitado tem a expectativa de ser cobrado pela “anuidade” do conselho de classe “nos termos da lei”.

Mas nos últimos 20 anos… mas… mas…

Operada a ruptura, estamos diante de realidades complexas: a ilegalidade operada nos últimos 20 anos não é de interesse da classe contábil? as possibilidades da expansão do conhecimento não são diretamente proporcionais às garantias de “liberdade para conhecer”?

A resposta só pode vir mediante a contextualização, porque o intérprete está sempre dentro de um contexto. E o contexto que interessa à presente reflexão é o de uma classe contábil em construção. Classe essa que instituiu o “estado” visando a realização ético-jurídica e política dos valores justos.

Mas… mas… mas…

Não se trata de ingenuidade, mas é possível verificar, numa página da internet, um Link contendo “Decisões judiciais de interesse da classe contábil”, onde não consta qualquer decisão em favor dos contadores no que se refere à ilegalidade das anuidades. Nenhuma!

Mas afinal, qual é essa classe contábil? As decisões favoráveis aos profissionais não são de interesse da classe contábil?

L’état, c’est moi!

Não seria interessante que fosse divulgado que os escritórios contábeis optantes pelo Simples Nacional estão desobrigados do pagamento da anuidade do conselho (R$ 950,00), em decorrência da prescrição contida no § 3º, art. 13 da LC nº 123/2006, conforme sentença definitiva da 1ª Vara do Juizado Especial Federal de Londrina?

L’état, c’est moi!

Como Anaximandro de Mileto, que quando se propôs a escrever pensou no seu povo ameaçado por um grande império, o livre pensador amplia seu horizonte fora das correntes que aprisionam, operando rupturas, mesmo que dolorosas; este não perde a capacidade de pensar, não está acorrentado ao sim e não oficial.

É necessário compreender que a consistência do saber depende de liberdade. O filósofo Nietszche pensa o mesmo, mas de forma diferente, quando diz, em Ecce Homo, que os eruditos gastam todas as suas energias dizendo Sim e Não na crítica daquilo que os outros pensam – eles não tem mais capacidade de pensar. Não é diferente a opinião do poeta Manoel de Barros quando brinca que sua “independência tem algemas”.

Independência com algemas…

Compreender todo este contexto é essencial para a construção de um pensamento aberto, livre dos grilhões, das opiniões chanceladas…

Um novo contador! Livre?

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