A não-cumulatividade do IPI e a sua interpretação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

A referida técnica é enunciada na Constituição Federal, no art. 153, § 3º, II, de forma parcimoniosa e aparentemente irrestrita

Autor: Ilan PresserFonte: Fiscosoft

Introdução

O presente trabalho tem por escopo a análise da jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal, desenvolvida neste início de século XXI, sobre a compreensão, o alcance e a delimitação do princípio constitucional da não-cumulatividade que informa e conforma o creditamento do Imposto sobre Produtos Industrializados.

A referida técnica é enunciada na Constituição Federal, no art. 153, § 3º, II, de forma parcimoniosa e aparentemente irrestrita (1) , seguindo a ratio da ordem constitucional pretérita (2) , que já era adotada desde a Emenda Constitucional nº 18, de 1965, à Constituição de 1946(3).

Também segue a mesma lógica o Código Tributário Nacional, cujo artigo 49, estatui que a lei disporá "de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.".

Com efeito, o aparente caráter auto-explicativo e curial da técnica não se reproduz quando de sua aplicação prática na contabilidade das empresas sujeitas ao pagamento do IPI.

Em vista disso, a única certeza, decorrente da vaga semântica constitucional, é de que há direito ao creditamento fiscal se houver oneração tributária da cadeia produtiva, na entrada e na saída: se uma lei proscrever o creditamento nessa hipótese será inquinada de inconstitucionalidade chapada (4) .

As contendas, como já sugere a tollitur quaestio, se referem à possibilidade ou não do creditamento quando a entrada ou a saída se revelam desoneradas, por não-tributação, alíquota-zero ou isenção. Além disso, há discussões sobre o quê, efetivamente, pode ser creditado em decorrência da técnica da não-cumulatividade.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal recentemente decidiu recursos extraordinários em que o pano de fundo das contendas consistiam justamente na concretização da não-cumulatividade nas hipóteses acima elencadas.

Primeiramente, em 2007, houve alteração da jurisprudência consagrada, nos recursos extraordinários 212.484, 350.446 e 353.668, já que restou assentado, nos recursos extraordinários 370.682 (5) e 353.657 (6) que, na aquisição de produtos sujeitos à alíquota-zero ou não-tributação, não há direito a creditamento presumido de IPI, sendo que a técnica da não-cumulatividade apenas incide quando há tributo efetivamente pago na entrada dos insumos.

Posteriormente o Pleno da Corte Suprema, em 2009, se manifestou nos recursos extraordinários 562.980, 460.785 e 475.551 em que a questão se colocava de forma inversa: a desoneração se dava na saída do produto industrializado.

Neste caso a vetusta jurisprudência da Corte, consubstanciada nos recursos extraordinários 99.825 (7) e 109.047 (8) , julgados sob a égide da Constituição anterior restou corroborada.

Para esta hipótese o artigo 11 da Lei 9779/99 já conferira a possibilidade de creditamento.

Entretanto, discutia-se se essa lei era meramente declaratória, por defluir da não-cumulatividade constitucional o crédito na hipótese de entrada onerada e saída desonerada; ou até o surgimento da autorização legal, que seria um benefício fiscal, constitutivo do direito ao aproveitamento do imposto pago na entrada da matéria-prima, não haveria direito ao creditamento.

Mais uma vez, prevaleceu a tese fazendária de que antes da referida lei não havia direito de crédito se houvesse industrialização de produtos cuja saída é isenta ou tributada com alíquota zero.

Em outras palavras, o Pretório Excelso, por maioria, assentou que a técnica da não-cumulatividade, constitucionalmente assegurada, pressupõe entrada e saída com o efetivo pagamento de tributo, sendo que a desoneração em qualquer das pontas não acarreta direito a crédito.

Nesse diapasão, restou implicitamente reconhecida, pela Suprema Corte, que a técnica brasileira da não-cumulatividade é de "imposto sobre imposto" (9) .

Com isso, fica esclarecida a hermenêutica constitucional, pelo guardião da Constituição, pertinente às exonerações confrontadas com a não-cumulatividade do IPI, que merecerá interpretação restritiva de sua alcance em favor de uma aproximação com o regime aplicável ao ICMS.

Entretanto, mesmo superada essa divergência, há diversas contendas, no Poder Judiciário, sobre o que é insumo ou matéria-prima: e, em razão disso, pode ou não ser objeto da compensação em razão da não-cumulatividade.

Os contribuintes têm a pretensão de que energia elétrica, serviços de comunicação e aquisição de bens destinados ao uso ou à integração no ativo fixo também sejam considerados insumos para fins do direito ao creditamento.

O entendimento da Corte, até o presente momento, para o ICMS, seja na primeira turma, nos agravos de despachos denegatórios de recursos extraordinários 488.374 e 497.405, e no recurso extraordinário 301.103, seja na segunda turma, com os agravos de despachos denegatórios de recursos extraordinários 460.422 e 602.998 e o recurso extraordinário 195.894, é favorável à tese fazendária.

Não se pode negar, entretanto, que há um julgado, o recurso extraordinário 200.379 (10) , da segunda turma da Corte, em que é acolhida a tese dos contribuintes, para o ICMS, de que se comprovado o desgaste do maquinário na produção das mercadorias, o que é atávico, há creditamento porque a depreciação fica embutida no preço das mercadorias.

Nesse diapasão o STF está em vias de julgar os recursos extraordinários 480.648 e 491.262 que tratam apenas da possibilidade de creditamento do ativo fixo das empresas para o IPI, para o qual não existe jurisprudência da Corte.

Assim, este trabalho limitar-se-à à discussão dos recursos que aguardam manifestação do Plenário. Estes versam fundamentalmente sobre o ativo permanente.

Entretanto, não se nega que a amplitude da conclusão do conceito constitucional de insumo neste caso eliminará, indiretamente, boa parte da zona cinzenta, e insegurança, que cerca a casuística do que pode ser objeto de creditamento.

Nos recursos que aguardam julgamento se questiona se a não-cumulatividade exige que os insumos precisam ser utilizados e consumidos diretamente na industrialização dos produtos.

Ou, se os nobres objetivos da referida técnica - de reduzir os preços dos produtos industrializados (11) e, pari passu, diminuir uma carga tributária regressiva, em razão da translação do encargo econômico-financeiro dos impostos indiretos, para o contribuinte de fato - justificam uma compreensão ampliativa da técnica para incluir o ativo permanente no creditamento em razão de sua depreciação no processo produtivo.

1. Breve escorço histórico do creditamento e da não-cumulatividade do IPI e do ICMS na jurisprudência do STF antes e depois da Constituição de 1988

O polêmico tema do creditamento tributário, e sua concreção em decorrência do princípio da não-cumulatividade, como sugerido acima, é vetustamente objeto de lides entre Fisco e contribuintes, que acabam por desembocar em manifestações do Plenário do Supremo Tribunal Federal, cuja importância avulta com as reformas processuais (Emenda Constitucional 45/04 e alterações do CPC, de 2005 a 2007).

Estas reformas, adicionadas à "mutação constitucional", levam a uma inegável objetivação do controle concreto, incidental, ou por via de exceção, de constitucionalidade.

Assim, advém a decorrente abstrativização do recurso extraordinário, em especial, a partir do instituto da repercussão geral. E sem falar, ainda, na possibilidade de edição de súmulas vinculantes e impeditivas de recursos sobre o tema.

Embora no passado não houvesse tais mecanismos, que buscassem alçar o Supremo Tribunal Federal à categoria de autêntica Corte Constitucional, havia uma busca pela uniformização da interpretação constitucional que gerou, em especial em direito tributário, entendimentos sedimentados pela Corte e acolhidos pelos demais tribunais do país.

Com efeito, nesse tópico, se objetiva verificar a jurisprudência sob a égide da Carta de 1969 e 1988, tanto em relação ao ICMS, quanto em relação ao IPI, em razão das profundas semelhanças nas características constitucionais e na cobrança de tais tributos.

Em muitos países, aliás, o ICMS, o IPI e o ISS, configuram apenas um IVA (12) , imposto sobre valor agregado, que simplifica o sistema tributário e atinge substancialmente os mesmos fatos geradores.

No que pertine ao ICMS, o creditamento de mercadorias exoneradas, ainda sob a ordem constitucional pretérita, ensejava soluções distintas a depender do tipo de desoneração. Se benefício fiscal haveria creditamento, enquanto que na técnica fiscal não haveria creditamento.

Como ver-se-à abaixo, na análise minuciosa das questões postas em juízo, tal interpretação vai de encontro à jurisprudência hodierna da Corte Suprema, que não estabelece o tipo da desoneração como critério adequado de discrímen para a solução da possibilidade de creditamento.

Em razão do entendimento pretérito, no que pertine ao ICMS, como a isenção é benefício fiscal e a não-tributação e alíquota-zero são técnicas fiscais (13) só as mercadorias isentas ensejavam o creditamento, conforme julgado dos recursos extraordinários 86.217 e 96.862.

A negativa de creditamento para as hipóteses de técnica fiscal, por sua vez, encontra-se estabelecida no julgamento dos recursos extraordinários 107.985 e 115.337 (14) .

Entretanto, essa jurisprudência restou superada quando o Poder Constituinte Derivado Reformador aprovou a Emenda Constitucional 23/83, alcunhada de emenda Passos Porto (15) , que ao realizar uma minirreforma tributária na época, em benefício dos Estados-membros, proscreveu o creditamento do ICMS, seja na hipótese de técnica fiscal, seja na de benefício fiscal.

A partir daí a não-cumulatividade do ICMS passou a prever expressamente a negativa de creditamento enquanto que a do IPI, que não fora alvo da jurisprudência permissiva da Suprema Corte, permanecia silente.

O IPI, aliás, desde a Emenda Constitucional nº 18, de 1965, à Constituição de 1946, passando pelas Cartas de 1967 e 1969, contém redação semelhante à que se verifica na Constituição atual no que pertine à não-cumulatividade do IPI (16) .

E essa norma vedatória para o ICMS, sem repetição para o IPI, restou mantida pelo Poder Constituinte Originário de 1988 (art. 155, § 2º, II) (17) , situação que gerou as lides sobre eventual aproximação ou distinção dos regimes da não-cumulatividade em ambos tributos, para geração de crédito presumido, quando há desoneração na entrada e pagamento do tributo na saída, e também, para crédito real quando a desoneração se dá na saída do produto industrializado.

O creditamento, reivindicado pelos contribuintes para o IPI, diante da desoneração das matérias-primas na entrada do estabelecimento, e das diferenças de redação entre IPI e ICMS (18) , foi decidido através do leading case conhecido como "caso Coca-Cola", RE n. 212.484, em 1998.

Embora o caso concreto enfrentado nesse julgado se reportava apenas à hipótese de insumos isentos para fins de creditamento do valor do tributo incidente, entendeu-se na Corte, posteriormente, que sua conclusão abarcava qualquer espécie de desoneração.

Prova disso é que decisões monocráticas dos Ministros do STF passaram a ser proferidas - com fulcro no artigo 557 Parágrafo 1º do CPC, no artigo 38 da Lei 8038/90 e no artigo 21 parágrafo 1º do RISTF - com referência ao referido precedente, também, para as hipóteses de insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero, entendendo anódina a discussão de outrora sobre a distinção entre técnica fiscal e benefício fiscal.

Permita-se aliás obter dictum para ressaltar que futuramente, em vez da válvula de escape das decisões monocráticas, com a consolidação da segunda fase da repercussão geral, os recursos extraordinários sobre matérias repetitivas, das quais as hipóteses em exame são exemplos emblemáticos, ficarão sobrestados na origem, e após a fixação de entendimento da Corte, serão objeto de declaração de prejudicialidade ou retratação na Corte de origem.

E a operacionalização dessa segunda fase continua sendo objeto de discussões e incertezas no Plenário da Corte (19) .

No que se refere à repercussão do caso "Coca-cola", e das decisões monocráticas prolatadas, o Pleno do STF, em 12.12.2002, tendo em vista a irresignação fazendária com a sua amplitude, a partir de agravos regimentais (que futuramente e eventualmente sequer existirão, ou terão âmbito mais restrito de utilização, em razão da segunda fase da repercussão geral que fará com que os recursos não cheguem à Corte) incluiu em pauta o julgamento dos recursos extraordinários 350.446 e 353.668.

O epílogo assentou o que parecia evidente para os ministros: se pode ser creditado o crédito presumido de matérias-primas isentas, não há lógica em não reconhecer o mesmo direito à aquisição de insumos com alíquota zero.

Mais uma vez, não se entendeu que o critério do discrímen, pretendido pela Fazenda Nacional (20) , da técnica e do benefício fiscal, seria relevante para justificar tratamento diferenciado: as situações seriam isonômicas para os objetivos da não-cumulatividade.

Ainda que a pá de cal parecia estar colocada, a Fazenda Nacional não se resignou com a tese prevalente e ajuizou recursos extraordinários de decisões tomadas com base no entendimento vigente com aquela composição da Corte (21) .

Em razão do julgamento de dois dos referidos recursos, como visto supra, a questão restou recentemente pacificada - com epílogo em sentido diametralmente oposto ao que parecia delineado outrora - por maioria apertada, nos históricos julgamentos conjuntos dos recursos extraordinários 353.657 e 370.682.

Decidiu-se que não há vilipêndio ao princípio da não-cumulatividade com a vedação de creditamento presumido do IPI na hipótese de insumo que ingressa na empresa exonerado do tributo.

Já no que pertine à exoneração do IPI na saída de produtos do estabelecimento industrial, cujos insumos foram tributados, o escorço histórico dos caminhos tomados pela Suprema Corte é distinto.

Antes da Constituição de 1988, o STF entendia descabido o creditamento conforme visto supra a partir do decidido nos recursos extraordinários 99.825 e 109.047.

Nesse caso, de crédito real, conforme visto no item precedente, o Supremo Tribunal Federal apenas manteve a posição pretérita ao julgar os recursos extraordinários 562.980, 460785 e 475551, em que antes da norma legal do artigo 11 da Lei 9.779/99 o creditamento é vedado, porque o mesmo não deflui automaticamente da não-cumulatividade constitucional.

No que toca à impossibilidade de creditamento do ativo fixo e de materiais de uso e consumo, matéria pendente de julgamento pelo Plenário da Corte há jurisprudência recente, apenas em tema de ICMS, das 2 turmas do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, nos recursos extraordinários 195.894 (22) , 301.103 (23) ,e agravos de instrumento 460.422 (24) , 488.374(25) , 497.405(26) , 602.998 (27) , que dão guarida à tese fazendária no sentido de que antes da Lei Complementar 87/96, não havia, tão somente por força da não-cumulatividade constitucional, direito ao creditamento, conforme relatado supra.

No que toca ao IPI não há qualquer julgado referente ao tema da possibilidade de creditamento do ativo permanente, e dos materiais de uso e consumo.

Há apenas, sob a égide da Constituição pretérita, decisões de Turmas em que era reconhecido o direito ao creditamento para produtos nacionais que fossem ativo permanente.

Entretanto, este benefício fiscal era assegurado pela Lei 4.502/64, em seu artigo 23, parágrafo segundo, cf. o recurso extraordinário 92978 (28) e o agravo de instrumento 81199 (29) como um incentivo à indústria nacional; e não como decorrência da não-cumulatividade constitucional.

Ou seja, havia lei concedendo o benefício fiscal (30) , como há a Lei complementar 87/96 para o ativo fixo do ICMS; ou ainda o artigo 11 da Lei 9.779/99 para o caso dos produtos desonerados na saída: não houve juízo se o referido creditamento deflui diretamente da Carta Magna, porque não se fazia necessária essa análise.

Passada a evolução histórica da jurisprudência do STF referente à não-cumulatividade, sobre o IPI e o ICMS, nessas três lides, entre o fisco e contribuintes, em que a mais alta Corte do país foi instada a se pronunciar, passa-se à análise dos já referidos recursos referentes ao IPI que o Pleno enfrentou, ou está em vias de enfrentar nesse início de século XXI.

2. O IPI e o crédito presumido de produtos desonerados na entrada, ou tributados com a alíquota menor na entrada dos insumos tributados

Como visto acima, até o ano de 2007, prevaleciam os precedentes citados supra, que adotavam o entendimento consagrado no caso "Coca-cola", que tratava da aquisição de xarope para produção de Coca-Cola, na Zona Franca de Manaus, em que não foi conhecido o recurso interposto pela União (31) e assentado que a não-cumulatividade do IPI conferia direito a creditamento para insumos isentos na entrada (a hipótese era de isenção territorial).

Nesse julgado - em que apenas o ministro relator Ilmar Galvão ficou vencido - restou estabelecido que a negativa do direito a creditamento de IPI, em operações isentas se transmudaria, em contrariedade à determinação constitucional, em imposto cumulativo, inviabilizando a lógica das desonerações tributárias durante o processo produtivo.

Em razão disso, a Suprema Corte assegurou a imprescindibilidade do crédito para não transformar a isenção em mero diferimento no pagamento do tributo. Assim, a pretendida ausência de creditamento geraria, ainda que indiretamente, uma anulação do benefício da isenção.

Além disso, está contido no inteiro teor da decisão o argumento histórico, de que a restrição constitucional ao creditamento operou-se exclusivamente para o ICM, a partir da Emenda Constitucional nº 23, de 1983, citada supra, continuando o IPI a receber na Constituição atual o mesmo tratamento jurídico da ordem constitucional anterior, que vinha desde 1965, e havia conduzido o STF a aceitar uma jurisprudência pacífica no sentido do direito ao crédito.

Defluiria para a Corte, atendendo ao pleito dos contribuintes, que, quisesse o constituinte estabelecer a mesma conseqüência para o IPI e o ICMS, não teria silenciado nas disposições atinentes ao IPI nas restrições que fez na redação constitucional do ICMS.

Embora nesse "leading case" não restou enfrentada, como se viu, de maneira expressa, os insumos não-tributados nem os tributados à alíquota-zero, mas apenas a hipótese de isenção - porque o caso levado à apreciação da Corte não os incluía - decisões monocráticas dos Ministros do STF passaram a ser proferidas invocando o referido precedente, com inclusão das hipóteses de não-tributados ou tributados à alíquota-zero, além dos insumos isentos.

Posteriormente, em sessão plenária, de 12 de dezembro de 2002, o STF iniciou o julgamento dos recursos extraordinários 350.446 e 353.668 (32) , acórdãos que decidiram que não há qualquer razão para um distinguishing entre as diferentes figuras desonerativas sendo que todas, independente de se tratar de técnica ou benefício fiscal, em respeito ao princípio da não-cumulatividade, geram direito ao creditamento.

Com isso, parecia estar confirmada a jurisprudência da Corte, seja sob a ordem constitucional pretérita, seja sob a presente, de que, é anódina a tipologia da desoneração, sendo que atavicamente haverá o direito ao creditamento, em respeito ao mandamento constitucional de obediência à técnica da não-cumulatividade.

Entretanto, embora até 2007 pudesse ser tratada, essa específica compreensão da não-cumulatividade, como questão superada, com a mudança substancial de composição na Corte, foi inaugurada, por maioria apertada, a tese oposta a partir do julgamento dos recursos extraordinários. 353.657 e 370.682.

Com efeito, em 05 de fevereiro de 2003, o Ministro Maurício Corrêa, nos autos do recurso extraordinário 353.657, prolatou mais uma de tantas decisões monocráticas sobre o assunto, com esteio em parecer da Procuradoria Geral da República, de negativa de seguimento à pretensão da União, como diversos ministros faziam à época, com sustentáculo nos art. 557 do CPC, no artigo 38 da Lei 8038/90 e no artigo 21 parágrafo 1º do RISTF, haja vista a jurisprudência pacificada da Corte sobre o assunto analisado.

A Fazenda Nacional, ainda irresignada, interpôs agravo regimental da decisão. O relator, em 16 de maio de 2003, Ministro Maurício Corrêa, exerceu juízo de retratação e determinou a suspensão da tramitação da ação até a conclusão do julgamento do recurso 370.682 pelo Plenário da Corte (33) .

O recurso extraordinário cujo julgamento era aguardado, em 10 de abril de 2003, teve seu julgamento iniciado com a relatoria do ministro Ilmar Galvão (34) .

A conclusão do julgamento pelo Plenário se deu tão somente em 15 de fevereiro de 2007, alterando para um sentido diametralmente oposto o entendimento da Corte, por 6 votos a 5 (35) , sobre o alcance do princípio da não-cumulatividade do IPI.

Como com o julgamento restou vencedora a tese da ausência de direito ao creditamento nas hipóteses de entrada de insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero o recurso extraordinário 353.657, depois de sobrestado por 4 anos foi julgado conjuntamente, também de encontro à pretensão dos contribuintes e, portanto, ao encontro da pretensão fazendária.

Os passos do julgamento e a novel orientação que prevaleceu no julgado estão retratados nos Informativos de Jurisprudências do STF n. 361, 374, 420, 456, 463 e 473 do STF.

Os argumentos da União foram de que se prevalecer a tese dos contribuintes, até então consagrada, haveria ofensa do artigo 150 Parágrafo 6º, da Constituição Federal, porquanto qualquer concessão de crédito presumido demanda lei específica (36) . E também, à Corte Suprema seria proscrito, sob pena de ofensa à separação de poderes, legislar positivamente (37) .

Ademais, haveria diferença entre a isenção, que é benefício fiscal, e a não-tributação e alíquota-zero (38) que representam uma técnica fiscal (39) .

O relator, ministro Marco Aurélio - que no caso "Coca-Cola" votara de acordo com a tese dos contribuintes (40) - mudou seu entendimento e acolheu os argumentos fazendários para estipular que a não-cumulatividade pressupõe, em regra, tributo efetivamente pago.

Essa pressuposição se dá inclusive para que se tenha parâmetro seguro para aferir o quantum do creditamento. Com isso, é evitado o vilipêndio à seletividade, sendo que a tese acolhida outrora, do perigo de existir, com a vedação do creditamento, um mero diferimento do pagamento do tributo, com a anulação da desoneração, geraria uma extensão indevida do benefício fiscal. (41)

O Ministro Nelson Jobim, em voto divergente, assentou as distinções redacionais do IPI e do ICMS. Além disso, fixou que para ser respeitado o princípio da não-cumulatividade deveria haver o direito ao creditamento, para impedir o diferimento no pagamento do tributo e o efeito cascata. Por fim, a eventual violação à seletividade mereceria ser sanada através de ato normativo do Poder Executivo (42) .

Restavam, assim, abertas as duas correntes sendo que aos demais ministros restava ou acompanhar o relator; ou o voto divergente proferido pelo Ministro Nelson Jobim.

O ministro Eros Grau acompanhou o relator para não reconhecer o direito a crédito presumido e que os créditos pressupõem imposto incidente (43) . Os ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto acompanharam o relator sem maiores delongas e esclarecimentos.

O ministro Cezar Peluso, por sua vez, trilhou o mesmo caminho da divergência. Não verificou qualquer ofensa ao artigo 150, §6º, da Constituição e, em razão disso, se filiou à tese, que restou vencida, de que a não-cumulatividade constitucionalmente prevista dava o direito irrestrito, de forma auto-aplicável ou self executing, ao creditamento. (44)

Em outra sessão os ministros Gilmar Mendes e Ellen Gracie acompanharam o relator.

O epílogo do julgamento foi o prevalecimento da tese do relator de que a permissão de creditamento ofende a técnica constitucionalmente prevista no inciso II do § 3º do art. 153 da CF. Assim, a não-cumulatividade demanda, salvo ressalva da Constituição Federal, tributo pago, com crédito real, e que, na hipótese da desoneração não há sequer como definir o montante a compensar.

Assentou que solução diversa ofenderia a não-seletividade do IPI. Ainda foi estabelecido que a Lei 9.779/99 é aplicável a hipótese diversa da ora analisada, da desoneração na saída, e que será analisada no próximo tópico (45) .

Note-se que, o Tribunal, em razão de sucessivos pedidos de vista, levou 6 Sessões e 4 anos do início até o fim do julgamento, o que induz a complexidade e importância do adequado enquadramento da não-cumulatividade.

Da conclusão do julgamento se extrai que, se desde 1998, com o julgamento do caso "Coca-cola", a compreensão do guardião da Constituição sobre a não-cumulatividade acolhia os argumentos dos contribuintes, em 2007 a jurisprudência do STF teria experimentado "virada jurisprudencial" (46) .

Tal mudança de entendimento se deu em relação ao creditamento de IPI nas hipóteses de insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero.

Em razão dessa alteração de entendimento, embora os recursos extraordinários em que se fixou a tese anterior, de leitura mais ampla do princípio da não-cumulatividade do IPI, não tivessem ainda transitado em julgado o Ministro Ricardo Lewandowski suscitou questão de ordem quanto à possibilidade da aplicação de efeitos prospectivos ainda que se trate de processos subjetivos: o que nada mais é do que um indício da abstrativização do controle concreto de constitucionalidade (47) .

Com efeito, o julgamento da modulação dos efeitos encerrou-se em 25 de junho de 2007. Nesta oportunidade a tese levantada pelo ministro Lewandowski restou derrotada por 10 votos a 1 já que teria havido mera "reversão de precedentes" e não propriamente uma "virada jurisprudencial".

Os Informativos de Jurisprudência ns. 463 (48) e 473 (49) do STF noticiaram, com precisão, o entendimento da Corte sobre a inaplicabilidade da concessão de efeitos prospectivos ou ex nunc ao presente caso (50) .

Após a adoção do referido entendimento decisões monocráticas - v.g. recursos extraordinários 371.964, 352.424, 459.553, 512.772, 479.913 e 541.355 e agravo de instrumento 522180 - têm sido proferidas em favor da Fazenda Nacional, mesmo por ministros que defenderam a tese que não restara acolhida, em atendimento ao princípio da colegialidade e da eficiência, cf. nos traz memorial da Fazenda Nacional (51) .

Cumpre ressaltar que os julgados do Plenário do Supremo referidos supra abrangeram apenas as desonerações referentes a insumos tributados à alíquota-zero e à não-tributação.

Entretanto, a exemplo do ocorrido após o caso "Coca-cola", as decisões monocráticas recentemente proferidas, reforçadas pelo entendimento dos atuais ministros sobre as desonerações tributárias, pareciam indicar que o novel entendimento da Corte se aplicará às entradas isentas.

Em 05 de agosto de 2009, cf. noticia o Informativo 554, o Plenário da Corte iniciou julgamento do recurso extraordinário 566.819 interposto por contribuinte e que abrangia insumos isentos, não-tributados, sujeitos à alíquota zero, além de postulação do creditamento pela diferença da alíquota, quando a devida na operação de entrada dos insumos tributados for menor do que a alíquota da saída.

Os argumentos expendidos pelo recorrente foram semelhantes àqueles acima analisados. É defendida a ofensa ao princípio da não-cumulatividade no não creditamento do IPI na negativa de creditamento.

O ministro Marco Aurélio, mais uma vez relator, desproveu o recurso, corroborando, seus votos relatados supra de que sua tese atual é oposta àquela exposada no voto proferido no "caso Coca-Cola".

Consignou, no seu novo entendimento, que o STF, ao apreciar os recursos extraordinários analisados supra, referentemente à aquisição de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero, fixara o entendimento de que o creditamento pressupõe recolhimento anterior do tributo, e que não há qualquer razão para deixar de aplicar o referido entendimento aos insumos isentos, que obedecem à mesma extensão dada à não-cumulatividade.

Esta demanda efetivo pagamento para compensar o efetivamente pago na saída, em cada operação, com o importe cobrado nas anteriores. (52) .

No que se refere à pretensão do creditamento pela diferença de alíquota quando a praticada na saída for maior, com criação de um crédito presumido, o relator reiterou o seu entedimento restrito sobre o alcance da não-cumulatividade, que não tem força para gerar automaticamente créditos fictos. Além disso, consignou os problemas escriturais e uma potencialização indevida da seletividade a partir da adoção do critério referente ao valor agregado (53) .

Posteriormente, a ministra Carmen Lúcia, que substituiu o ministro Nelson Jobim, e não votara nos julgamentos de 2007, pois ainda não compunha a Corte, pediu vista dos autos.

Em 16 de junho de 2010, conforme noticia o informativo 591, a ministra Cármen Lúcia, em voto-vista, acompanhou o voto do relator para desprover o recurso. Após novo pedido de vista, da Ministra Ellen Gracie, o julgamento foi concluído em 29 de setembro de 2010, cf. noticia o informativo 602, tendo, desta vez, apenas o ministro Cezar Peluso como voto vencido.

Com isso, a conclusão de julgamento confirmou, com a composição atual da Corte (54) , o entendimento sobre os insumos não-tributados e sujeitos à alíquota-zero.

Além disso, definiu, pela primeira vez, de forma expressa, desde o caso "Coca-Cola" pelo Pleno da Corte, na composição de setembro de 2010, que o referido entendimento se aplica à hipótese de isenção (55) .

Também restou fixado o entendimento de que não há creditamento presumido na diferença da alíquota, quando a devida na entrada dos insumos tributados for menor do que a alíquota praticada na saída.

Restou estabelecido que essa pretensão do contribuinte, a pretexto de potencializar a seletividade, vilipendia a não-cumulatividade (56) . Assim, deve ser feito o creditamento sobre valores efetivamente recolhidos, independentemente da operação de saída, seja sob pena de se criar balbúrdias escriturais, seja porque o sistema do IPI no Brasil não é de valor agregado (57) .

Persiste ainda um julgamento que aguarda manifestação da Corte, como uma ramificação da decisão prolatada nos julgados acima, que, como visto, alteraram o entendimento da Corte, é a admissibilidade de ação rescisória se na época de prolação da decisão rescindenda a jurisprudência vinha de encontro à vencedora em 2007 e 2010.

A discussão é travada no recurso extraordinário representativo da controvérsia 590.809, cuja repercussão geral já restou reconhecida, pelo Plenário Virtual, em 13/11/2008 (58) .

A referida questão pode, também, contribuir para esclarecer o alcance da vetusta Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal (59) .

3. O IPI e os produtos desonerados na saída do estabelecimento

Após o Plenário, do Supremo Tribunal Federal, estabelecer lindes sobre o alcance da não-cumulatividade, para entradas de insumos sujeitas à não-tributação ou alíquota-zero, nos recursos extraordinários 353.657 e 370.682, em 2008, foram julgados os seguintes recursos extraordinários: 562.980 (60) , cf. noticiam os informativos 511 e 545, 460.785, cf. noticia o informativo 545 e 475.551 (61) , cf. noticiam os informativos 522 e 545.

Estes recursos tratam da desoneração na saída do produto industrializado, e analisaram a constitucionalidade de normas que impediam a manutenção de crédito de IPI em entradas oneradas e saídas desoneradas.

Embora o início de cada um dos julgamentos se deu em datas distintas a peroração foi conjunta.

Note-se que os valores discutidos em juízo, na hipótese ora analisada, se revelam menores do que no caso precedente, já que a questão aqui se limita a estabelecer se antes da autorização legal haveria direito ao aproveitamento dos créditos (62) .

Veja-se também que, nesses casos, não se trata de crédito presumido, como se deu nos julgados referidos no item anterior. O busílis da questão, neste item, se reporta a créditos reais, a partir de entradas efetivamente tributadas, e saídas isentas, não-tributadas ou tributadas à alíquota zero.

Ainda, como visto no item 2, referente à história da jurisprudência do STF na exoneração do IPI na saída de produtos do estabelecimento, antes da Constituição vigente, a Corte Suprema entendia descabido o postulado creditamento cf. as ementas transcritas acima dos recursos extraordinários 99.825 e 109.047.

Nos referidos julgados restou assentado que o artigo 11 da Lei 9.779/99 conferiu tal benefício fiscal aos contribuintes do IPI.

Para os contribuintes, a imposição de creditamento decorreria de forma auto-aplicável do princípio da não-cumulatividade, sendo que a lei apenas declararia o alcance de um comando constitucional pré-existente.

A tese vencedora no Tribunal Federal da 4ª Região, e reformada pelo Plenário do Supremo, determinara que o contribuinte teria o direito ao creditamento do valor do tributo incidente sobre insumos desonerados na saída do estabelecimento industrial, em período anterior à edição da Lei 9.779/99.

E essa pretensão era embasada justamente no princípio da não-cumulatividade inscrito no art. 153, § 3º, II, CF (63) .

Nessa ótica, sustenta-se que a ausência de creditamento do IPI na hipótese de produto desonerado na saída do estabelecimento fulmina a não-cumulatividade, uma vez que o contribuinte o recolhe na aquisição de insumos, mas não pode utilizar-lhes como crédito, porquanto o produto é exonerado do IPI, sem que possa aproveitar os seus créditos tributários, que efetivamente foram constituídos no momento da entrada do insumo e pagamento do tributo.

E, subvertendo a lógica de utilização dos créditos reais, a proscrição do creditamento está contida nas seguintes normas meramente regulamentares: art. 100, I, a, do Decreto n. 87.981/82, e do art. 174, I, a, do Decreto n. 2.637/98 (64) .

Assim, tais normas administrativas teriam ofendido a Constituição porquanto como, para os contribuintes, a não-cumulatividade, constitucionalmente assegurada, impusera o creditamento, a lei posterior apenas declarou uma situação já existente.

Nessa linha, para os acórdãos recorridos, que acolheram a tese dos contribuintes (65) , a anulação do crédito, mediante estorno na escrita fiscal, contraria o mandamento da não-cumulatividade, visto que inviabiliza a utilização do saldo credor de IPI.

As decisões reformadas pelo Supremo Tribunal Federal se embasaram em julgado da Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível n. 1999.72.05.008186-1.

Nesse julgado, restou decretada, com atendimento da cláusula de reserva de plenário, ou full bench - insculpida no artigo 97 da Constituição Federal e artigo 480 e ss. do Código de Processo Civil - a inconstitucionalidade do referido artigo 174, I, a do Decreto n. 2.637/98 - Regulamento do IPI (66) .

A decisão da Corte Especial daquele Tribunal, por sua vez, não deixou de acolher como principal sustentáculo para o direito de creditamento a interpretação literal da Carta Magna a partir da ausência das limitações constitucionais do princípio da não-cumulatividade em relação ao IPI (art. 153, § 3º, II, CF), de maneira distinta do que sucede com o ICMS (art. 155, § 2º, itens, CF).

Saliente-se que a questão se mostrava polêmica no próprio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, como mostra julgado da 1ª Turma daquela Corte (67) , que, naquela oportunidade, acolhera tese ao encontro do posicionamento fazendário e que prevaleceu, posteriormente, no Supremo Tribunal Federal.

Em decorrência da reforma no decisum, efetuada pelo Supremo Tribunal Federal, a orientação que prevaleceu, no julgamento conjunto dos recursos 562.980, 460.785 e 475.551 foi a de que "antes da vigência da Lei 9.779/99, não era possível o contribuinte se creditar ou se compensar do IPI quando incidente o tributo sobre os insumos ou matérias-primas utilizados na industrialização de produtos isentos ou tributados com alíquota zero" (68) .

Como nos julgados anteriores o Ministro Marco Aurélio, mais uma vez relator, nesta oportunidade do recurso 460.785, apresentou voto no sentido da tese fazendária, enquanto que o voto divergente, nesta oportunidade foi prolatado pelo ministro Ricardo Lewandowski, relator no recurso 562.980, em que, como nos julgados de 2007, manifestou posição consentânea com os interesses dos contribuintes.

Como se vê, a dúvida no presente caso concreto, desafia, também, a interpretação que conferirá a conformação e o alcance da cláusula constitucional da não-cumulatividade, cuja eficácia subordinante conforma e condiciona o exercício do poder-dever do Estado de realizar a tributação.

Para o voto divergente capitaneado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, mais uma vez vencidos, há direito consagrado de forma auto-aplicável ou self executing pela Constituição, a partir da referida técnica de aproveitamento de créditos, se os produtos restarem desonerados na saída do estabelecimento industrial.

Com isso, o artigo 11 na Lei 9.779/99, representaria tão somente uma declaração que, por isso, seria dotada de caráter meramente interpretativo (69) .

Ainda que neste recurso a Corte enfrenta hipótese de produto que sai do estabelecimento industrial à alíquota zero ou isento, enquanto que no item precedente a entrada era não-tributada ou tributada com alíquota zero, ver-se-à que o embasamento teórico dos votos é semelhante.

Isso se dá porquanto - embora a doutrina costume diferenciar as conclusões sobre direito ao creditamento a partir das hipóteses desonerativas - a Corte, atualmente, com exceção do ministro Eros Grau, entende anódino, para aferir o alcance da não-cumulatividade do IPI, se a ausência no pagamento do tributo adveio de benefício fiscal ou de técnica fiscal (70) .

Essa ausência da discriminação entre as formas desonerativas, como visto acima, vai de encontro à antiga jurisprudência da Corte do ICMS, que, inclusive contribuiu para gerar a Emenda Passos Porto, e, mediatamente, a argumentação dos contribuintes nas referidas ações no sentido de um silêncio eloqüente do Constituinte para o IPI.

Isso, em razão da ausência de restrições semelhantes às do ICMS na redação da não-cumulatividade do IPI, cuja redação mantém os mesmos termos desde 1965 (71) .

Além de o Supremo, com sua composição atual, dar sinais de que caminha à irrelevância da espécie exonerativa, para fins da aplicação da técnica da não-cumulatividade, verifica-se que, o tema analisado neste tópico, e os julgados do item precedente tratam de verso e reverso da mesma moeda.

Tal visão pode ser aferida a partir do teor dos votos dos ministros cujas razões se revelam semelhantes ao julgamento anterior: os ministros que alhures acolheram o pleito fazendário caminharam no mesmo sentido nos recursos ora analisados.

Mesmo assim, o relator do recurso 562.980 se esforçou para distanciar as hipóteses a partir das diferentes pretensões levadas a juízo (72) .

No entanto, em razão da causa de pedir próxima - que diz respeito aos fundamentos jurídicos da demanda - semelhantes, entendemos improvável, do ponto de vista lógico, uma solução favorável aos contribuintes aqui e ao Fisco nos julgamentos dos recursos 353.657 e 370.682 e vice-versa.

Repise-se, entretanto, que, como dito acima, a jurisprudência da Corte, até 2007 já era favorável ao Fisco neste item, enquanto que, no item precedente houve reversão de precedentes.

Assim, também pode ser sustentado existirem distinções relevantes, das quais a principal é a de que no caso visto acima se tratou de crédito presumido, enquanto que, neste momento, trata-se de crédito real e efetivo.

Como noticia o informativo 511 o voto do ministro Ricardo Lewandowski confirma a decisão do Egrégio Tribunal Federal da 4ª Região (73) , que declarou inconstitucionais o art. 100, I, a, Decreto 87.981/82 (74) e o art. 174, I, a, Decreto 2.637/98 (75) , em razão da ofensa ao art. 153, § 3º, II, da Constituição.

O relator do recurso extraordinário 562.980, ministro Ricardo Lewandowski, declarou a retroatividade da Lei 9.779/99, por ser interpretativa, e a inconstitucionalidade das normas acima, que restringiam o direito ao creditamento em razão da violação à não-cumulatividade.

O ministro relator explicitou o seu entendimento hermenêutico sobre a técnica da não-cumulatividade - assegurada na Constituição, no Código Tributário Nacional e no Regulamento do IPI - que bloqueia a possibilidade de ocorrência do "efeito cascata", ao assegurar que o valor recolhido a título de tributo seja correspondente à alíquota final incidente sobre o produto, impedindo a incidência de tributo sobre tributo. (76)

Em razão disso, como visto, a Lei 9.779/99 apenas declarou uma garantia pré-existente da não-cumulatividade constitucional (77) .

Como está a se tratar de impostos indiretos, que admitem transferência do encargo-econômico financeiro, através da repercussão para o consumidor, a não-cumulatividade tutela o consumidor, evitando que a carga tributária incidente sobre cada etapa necessária à fabricação de determinado produto lhe seja repassada, mormente em se tratando de imposto regressivo.

Em razão dessa compreensão da não-cumulatividade, pelo fato de os insumos utilizados no processo produtivo não mais deterem identidade deve-se cobrar, para que não haja os malefícios da tributação em cascata, o tributo somente sobre o produto final e não sobre os materiais utilizados na sua elaboração.

Em razão desse objetivo de não onerar o produto final, e, por conseguinte o consumidor, deve o imposto pago nas etapas do processo produtivo converter-se em crédito do contribuinte de direito. Só assim, não haverá translação do encargo tributário para o contribuinte de fato que é o consumidor (78).

Para fundamentar sua visão o ministro não deixou de dar relevo, como fizera no julgamento de 2007, à referida literalidade dos limites e condições da não-cumulatividade expressos no ICMS; e que não restaram positivadas, pelo Poder Constituinte, no que pertine ao IPI.

Em razão disso, o IPI não sofreria qualquer espécie de limitação ao seu creditamento.

Esse cotejo entre os artigos 153, § 3º, II, e artigo 155, § 2º, II, CF (79) , com a tese do "silêncio eloqüente" do constituinte, justamente para que a amplitude de sua atuação prática no IPI seja maior (80) , segundo o ministro Lewandowski, é corroborado pelas particularidades e distinções do IPI em relação ao ICMS (81) .

Ainda, de acordo com o referido entendimento, o direito ao creditamento não se refere a qualquer concessão de benefício fiscal - como sustenta a corrente divergente e vencedora - que exigiria lei para a sua fruição.

Já para a corrente vencedora, o Supremo ao conferir o creditamento atuaria na função de legislador positivo, que viola a separação de poderes e, por tal causa, o self restraint consagrado pela jurisprudência da Corte.

Para o relator a análise é pautada, como fizera o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pela inconstitucionalidade do artigo 174 do Decreto 2.637/98 frente à técnica da não-cumulatividade do IPI (82) .

O Ministro ainda, invocando o precedente do recurso extraordinário 114.527 (83) , rechaçou o argumento fazendário no tocante à necessidade de comprovação da ausência de repasse ao contribuinte de fato, ou a expressa autorização ao recebimento, cf. disposição do artigo 166 do CTN (84) , sob o fundamento de que não se trata de repetição de indébito, mas de direito a creditamento, que fora recolhido na entrada de produto onerado, cujo produto final seja desonerado na saída do estabelecimento. (85)

O Min. Marco Aurélio, relator do recurso 460.785, abriu divergência, na mesma sessão, deixando claro que a técnica da não-cumulatividade não restou violada na hipótese, uma vez que não houve o pagamento de IPI na saída da mercadoria com o exige o inciso II, do § 3º, do art. 153 da CF/88.

O ministro, também adepto da tese fazendária nos julgamentos analisados no item precedente, entendeu que o artigo 11 (86) da Lei 9.779/99, como medida de política fiscal, constituiu o direito ao creditamento, que não decorre automaticamente da não-cumulatividade.

Para chegar a tal conclusão esclareceu, em limites mais estritos, o alcance constitucional da não-cumulatividade. Lembrou ainda que o art. 150, § 6º, CF, exige lei específica para concessão de benefícios fiscais, como fizera em seu voto nos recursos julgados em 2007 (87) .

Repetindo o que fizera nos recursos referentes à desoneração na entrada invocou, valendo-se de expressão que já utilizara diversas outras vezes na Corte, que seria uma fuga "à ordem natural das coisas", desrespeitando-se o princípio da não-cumulatividade se não tiver ocorrido a sobreposição ou dupla incidência (88) , permitir-se o creditamento sem a existência de previsão legal.

O relator não deixou de se valer da comparação, comumente utilizada pelos que defendem a tese oposta, entre a redação do ICMS e do IPI, para justificar, com base em interpretação sistemática, fulcrada no caráter unitário do sistema, tributário a negativa de creditamento antes da Lei 9.779/99 (89) .

Após o pedido de vista do ministro Eros Grau foi iniciado o julgamento do recurso 475.551, relatado pelo ministro Cezar Peluso, que, fora vencido nos julgamentos realizados em 2007. Este, a exemplo do ministro Lewandowski, registrou tratar-se de hipótese diversa da tratada no item precedente (90) e julgou improcedente o recurso extraordinário manejado pela União.

Assentou o ministro, na mesma linha esposada pelo relator do recurso 562.980, que o direito ao crédito, em decorrência da não-cumulatividade, existe a partir da tributação ocorrida na entrada.

Por isso, não está sujeito à realização do fato gerador tributado na outra ponta, que pode ser desonerada sem afetar o crédito já constituído. (91)

Como se vê, a compreensão da não-cumulatividade, do ministro Cezar Peluso, é de amplitude e extensão quase irrestrita ao creditamento e à maneira de utilização dos seus frutos, sendo que, para ele, a Constituição não tolera acumulação inútil de créditos e obstáculos a direitos adquiridos, em razão de desonerações posteriores (92).

Em razão disso, basta para incidir a não-cumulatividade a ocorrência de operação típica de IPI (93) , não podendo a lei minimizar o seu amplo alcance e condicionar a sua aplicação e interpretação (94) , em razão da autonomia e independência entre a geração e o creditamento.

A única restrição admitida pelo relator é de eventual exigência do Fisco de termo a quo em que a utilização do crédito pode ser feita: a partir da saída da produção. Assim a eficácia fica submetida a termo suspensivo, já que, segundo referido entendimento, há direito adquirido subordinado à ocorrência de evento futuro e certo: a saída da produção. (95)

Com isso, até 6 de maio de 2009, quando foram concluídos os julgamentos dos três recursos extraordinários referidos neste item, os contribuintes contavam com dois votos, que também foram favoráveis às suas pretensões em 2007, e a Fazenda o voto divergente proferido pelo ministro Marco Aurélio.

Entretanto, a tese que prevaleceu veio do voto do ministro Marco Aurélio, relator do recurso extraordinário 460.785, o qual, embora conhecido como senhor "voto vencido", por ver suas teses costumeiramente derrotadas na Corte, nesta feita, restou vencedor.

Todos os demais ministros acompanharam as razões do ministro Marco Aurélio, salvo o ministro Eros Grau que, nos termos de vetusta jurisprudência da corte referente ao ICMS, como visto supra, permitia o creditamento apenas para a hipótese de isenção, que representa benefício fiscal (96) .

Com isso a União venceu por 9 a 2, maioria muito superior àquela antes observada, de 6 a 5, com a ressalva da procedência parcial do ministro Eros Grau. O ministro Celso de Mello foi o único a votar alhures contra a União e, no caso ora examinado, a favor da tese fazendária.

Com isso, ficou estabelecido que a referida norma legal era condição para a criação do benefício fiscal - e não mera declaração de um direito constitucional auto-aplicável - que decorreria de uma leitura ampla do princípio da não-cumulatividade e de sua diferenciação em razão da redação que silenciava em relação a lindes expressos nos dispositivos que regem o ICMS.

A tese fazendária, mais uma vez vencedora, denota que o Supremo Tribunal Federal não confere à não-cumulatividade do IPI o sentido e o alcance desejado pelos contribuintes. Ao contrário, exige o tributo pago na entrada e na saída, como ocorre com o ICMS.

Como visto, supra, no presente caso não houve reversão de precedentes (97) , sendo que os acórdãos recorridos do Tribunal Federal da 4ª Região - que reconheceram aos contribuintes o direito de creditamento de IPI na hipótese de produto desonerado, com alíquota zero e com isenção, na saída do estabelecimento, no período anterior à Lei 9.779/99 - foram reformados pelo Supremo Tribunal Federal nos termos de sua antiga jurisprudência.

A tese de que restou usurpada, pelo Tribunal Federal da 4ª Região, competência legislativa da União para inovar o ordenamento jurídico foi acolhida. Isso porque, como visto, foi acolhido o posicionamento da Fazenda Nacional de que o benefício fiscal do creditamento de IPI demanda lei federal específica como exige o art. 150, § 6º, CF (98) .

Por isso, a Lei 9.779/99 ao dispor sobre aproveitamento de créditos concedeu um favor fiscal que não significa assunção de que o princípio da não- cumulatividade já geraria tal benefício e, por isso, o dispositivo não tem o condão de ser retroativo.

4. Creditamento do Ativo Permanente e dos materiais de uso e consumo

Como visto acima a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, firmada em 2007, entende que não há direito a crédito presumido na hipótese de insumo desonerado na entrada do estabelecimento industrial.

Já no que pertine ao direito de creditamento real, na hipótese de produto desonerado na saída do estabelecimento industrial, viu-se no item precedente que a Corte, em 2009, decidiu que antes da Lei 9.779/99 também não havia direito a qualquer crédito, embora real, porquanto pago na entrada.

Ou seja, a não-cumulatividade constitucionalmente estabelecida pressupõe tributo pago nas duas pontas do processo produtivo.

Após resolver boa parte das questões referentes às desonerações, nas entradas e saídas do processo de industrialização, a Suprema Corte enfrenta atualmente, em relação ao IPI, o quê pode ser objeto do creditamento.

O qüiproquó reside na aquisição de bens tributados que sejam destinados ao ativo permanente. Tais bens não são diretamente envolvidos nas etapas de industrialização dos produtos posteriormente tributados.

Entretanto, sustentam os contribuintes que os bens do ativo permanente não deixam de ser insumos creditáveis apenas por não se incorporar ao produto final, ou ainda, pelo fato de o desgaste não ocorrer de forma imediata e integral durante o processo de industrialização, já que representam custo à produção.

Esta derradeira lide referente à compreensão do princípio da não-cumulatividade do IPI na atual jurisprudência do STF está baseado em 2 recursos, interpostos por contribuintes, pendentes de julgamento: recurso extraordinário 480.648, relatado pelo Ministro Cezar Peluso, e recurso extraordinário 491.262 relatado pelo Ministro Gilma

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