A farsa da democracia tributária

Em 2011, por exemplo, o governo federal instituiu uma mudança no sistema tributário alterando a base da contribuição previdenciária, da folha para o faturamento.

 

“O Estado não tem poderes divinos (…), tudo o que ele pode fazer é tirar de um e dar para outro. Nesse processo, diga-se de passagem, há um custo, pois é preciso nomear pelo menos um funcionário público para operar a distribuição. Ou seja, o Estado nunca consegue tirar 100 cruzados de um rico e dar os mesmos 100 cruzados para um pobre. No meio do caminho, parte dos 100 cruzados fica com a burocracia.”

Essas afirmações de Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda na primeira metade dos anos 1970, foram publicadas em artigo de 1987, mas ecoam até hoje com incrível atualidade num país que parece ainda não ter compreendido uma matemática tão elementar, conforme demonstram casos concretos bem mais recentes.

Em 2011, por exemplo, o governo federal instituiu uma mudança no sistema tributário alterando a base da contribuição previdenciária, da folha para o faturamento. Para alguns setores o recolhimento da contribuição patronal paga pelas empresas foi substituído pela incidência sobre as suas receitas brutas. O objetivo seria melhorar a competitividade das empresas, estimular a formalização do mercado de trabalho e diminuir o custo Brasil.

Recentemente, essa desoneração foi ampliada para mais 25 setores que, somados aos outros 15 já beneficiados, representarão uma perda de R$ 12,83 bilhões na arrecadação em 2013. Os 40 setores desonerados representam 13% do emprego formal, 16% da massa salarial e 59% das exportações de manufaturados.

Vale destacar pesquisa da Confederação Nacional de Serviços (CNS), segundo a qual a maioria das empresas do setor de Tecnologia da Informação (TI) foi prejudicada com o aumento da carga tributária. Esse efeito foi sentido especialmente pelas pequenas empresas. Sinal dos tempos: quanto maior a relação receita por funcionário, maior o prejuízo. Enfim, a desoneração da folha de pagamentos beneficiará a ineficiência ao invés de viabilizar um ambiente favorável à criação de novas empresas e novos empregos?

Há 25 anos Simonsen já nos alertava sobre outro problema. O sistema tributário brasileiro não é transparente a ponto de permitir explicitar quanto o consumidor paga efetivamente para manter o Estado. Os impostos “são cobrados em várias etapas da produção e vivem escondidos no preço que se cobra do consumidor” (…) “Sem transparências desse tipo, a democracia é uma farsa”, alertava o professor.

Numa época em que a carga tributária representava 20,28% do PIB, longe dos atuais 36%, o saudoso professor destacava: “A verdade é que o governo vem massacrando o empresariado e confiscando em proporções nunca vistas os salários dos trabalhadores – tudo isso em nome da democracia, o que é uma injustiça, pois ela nada tem a ver com isso.”

Assim, reduzir a carga tributária é positivo. Mas a transparência do sistema tributário soa tão primordial quanto.

A consultoria Deloitte detectou que 44% das pequenas e médias empresas (MPEs) consideram que um sistema tributário muito complexo impede o desenvolvimento dos negócios. Mostrou ainda que 69% dos empreendedores enxergam a burocracia da arrecadação como um obstáculo para a regularização da situação fiscal.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) confirma o fato, apontando que 92% dos empresários das indústrias atribuem parte de sua perda de competitividade ao excesso de burocracia. Para 60%, o resultado prático da burocracia paternalista é o aumento de custos e a “destinação de recursos para atividades não ligadas à produção”. A frequente alteração das normas, que cria um ambiente instável para os negócios, também foi destacada.

Corroborando a percepção empresarial, estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário(IBPT) aponta a absurda edição de 275.095 normas tributárias, de 5 de outubro de 1988 a 5 de outubro de 2011. Em média, foram publicadas 49 por dia útil ou 6,1 por hora útil.

Os sintomas deste câncer foram detectados por um levantamento do Banco Mundial, elaborado em conjunto com a PwC e denominado “Paying Taxes”, que fez um comparativo sobre o custo da conformidade tributária e trabalhista em 183 países. O Brasil obteve a última posição neste ranking, sendo que nosso custo é quase 10 vezes superior à média mundial.

Segundo o IBGE, MPEs são responsáveis por 60% dos 94 milhões de empregos no país e constituem 99% do total de empreendimentos. Dados de agosto de 2012 apontam que há 6,8 milhões de empresas optantes pelo Simples Nacional. O Simples Nacional é um regime tributáriodiferenciado, simplificado criado pela Lei Complementar nº 123, de 2006, aplicável às Microempresas (ME) e às Empresas de Pequeno Porte (EPP), desde 1º de julho de 2007.

Entretanto, nem todas as ME e EPP podem optar por este regime. Há restrições, algumas sutis. Ficam de fora cerca de 1,5 milhão de MPEs. Todos estes ‘excluídos’ geram empregos, recolhem tributos e têm sua competitividade corroída pela burocracia insana gerada pelo maior custo de conformidade tributária e trabalhista do planeta.

Por que não desonerar mais 1,5 milhão eliminando as restrições de adesão ao Simples? Uma só medida traria dois efeitos positivos: redução de custo tributário e redução do custo de conformidade.

Medidas protecionistas, setoriais e paternalistas são pseudodesoneradoras. Agem aumentando a burocracia e o custo das empresas. Alterações em normas tributárias demandam investimentos em capacitação, tecnologia e mudança de procedimentos, além de gerar riscos por erros e entendimentos divergentes.

O país realmente precisa de um ambiente normativo estável, simples e racional. Um bom começo seria a revogação do artigo 17 da Lei Complementar nº 123/2006, que define as vedações ao ingresso no Simples Nacional. Outro passo prioritário é a aprovação do Projeto de Lei 1.472/07, que obriga as empresas a informarem quanto de imposto está incluído no preço final dos produtos.

Há um quarto de século, Simonsen concluiu seu artigo dizendo que “as vítimas do predomínio do assistencialismo retrógrado são os consumidores, que pagam caro pelo que poderia ser vendido barato”.

Não é preciso ser ministro da Fazenda para reconhecer perceber os resultados desastrosos deste sistema tributário. Afinal, até o cidadão comum já faz compras no exterior e percebe a diferença.

 

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