Governo muda as regras para BNDES emprestar mais

JANAINA LAGE O governo mudou regras do estatuto social do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) que permitem ampliar sua capacidade de financiamento em meio à crise do crédito. Publicado no "Diário Oficial", o decreto assinado pelo presidente Lula assegura ao banco mais flexibilidade na negociação com o Tesouro para o repasse de parte do lucro distribuído à União como dividendos. O decreto foi criado para que o banco se ajuste às normas contábeis internacionais da IFRS (International Financial Reporting Standard). Na prática, deve ganhar importância em um ano em que o setor privado enfrenta restrições de crédito e o governo quer dar impulso ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O BNDES será o principal financiador dos grandes projetos, principalmente de energia. O banco é obrigado a repassar um mínimo de 25% do lucro líquido à União. Percentuais acima disso são alvo de negociação. No decreto, foram criados dois mecanismos que permitem ao banco, mediante negociação, reter parcela maior do lucro em caixa. O primeiro é a Reserva de Lucros para Futuro Aumento de Capital, cujo objetivo é assegurar a formação de patrimônio líquido segundo as expectativas de crescimento dos ativos do banco. O percentual previsto é de 15% do lucro líquido, limitado a 30% do capital social. O segundo é a Reserva de Lucros para Margem Operacional, criada de acordo com solicitação da administração do BNDES. A ideia é contar com recursos que assegurem uma margem operacional compatível com as operações do banco, no percentual de 100% do saldo remanescente do lucro líquido, até 50% do capital social. Na prática, as duas medidas deverão aumentar a margem de manobra do BNDES na negociação, mas a decisão ainda será do ministro da Fazenda. Em 2007, o BNDES lucrou R$ 7,3 bilhões. Descontado o valor previsto em lei de reserva legal, foram distribuídos à União 40% do total como dividendos. Caso reduzisse o percentual para 25%, poderia ficar com mais R$ 1,066 bilhão em caixa para financiamentos. "Isso representaria um volume significativo, próximo de 1,5% do orçamento do ano. Faz diferença, até que o crédito internacional volte a fluir, temos que capturar todas as possibilidades de "funding" interno para fazer com que a infraestrutura e a construção civil exerçam o papel de atividades anticíclicas. Já temos uma estrutura regulatória em funcionamento capaz de favorecer investimentos privados, mas precisamos de crédito", diz Paulo Godoy, presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base). Até setembro, o BNDES lucrou R$ 5,1 bilhões -uma queda de 29,7% em relação a igual período de 2007. A queda foi atribuída pelo banco à redução das taxas de juros nos últimos anos em razão da política do governo de diminuir os custos de financiamentos do BNDES. Pressionado pela demanda maior por crédito, o banco negocia com o governo elevação do volume de recursos disponíveis. O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, já havia afirmado que a ideia é diversificar a fonte de recursos em 2009, mas que sem o apoio do Tesouro seria impossível fechar o "hiato de recursos". O BNDES negocia ainda recursos com órgãos internacionais como Banco Mundial, KFW (alemão) e JBIC (japonês). Até novembro, o banco emprestou R$ 79,9 bilhões. Para este ano, a expectativa é que o orçamento fique entre R$ 100 bilhões a R$ 110 bilhões. Para especialistas, medida poderá atenuar a escassez de crédito privado DA SUCURSAL DO RIO Especialistas ouvidos pela Folha avaliam a mudança do estatuto social do BNDES como um fator positivo, especialmente em um cenário de crise internacional e escassez de crédito privado. Para Paulo Godoy, diretor-presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), o aumento do volume de recursos disponíveis para empréstimos no BNDES pode fazer com que as atividades de infraestrutura compensem parcialmente os efeitos negativos da crise sobre o mercado de trabalho. "A capilaridade da infraestrutura é grande, ela poderá servir de anteparo para uma eventual retração de alguns setores que foram mais afetados pela crise", disse. Godoy cita ainda como aspecto favorável a decisão do governo de autorizar o uso de parte do FGTS para a aplicação no FI-FGTS (Fundo de Investimento do FGTS), que é administrado pela CEF (Caixa Econômica Federal). Para Júlio Gomes de Almeida, da Unicamp, a mudança é uma maneira de compensar a secura do crédito privado. Ele avalia que Petrobras e BNDES não podem continuar a transferir o volume usual de recursos ao Tesouro sob risco de prejudicar os investimentos. "O país precisa repensar o financiamento de longo prazo. Esses expedientes estão sendo feitos para minimizar o problema em 2008 e 2009, mas ele continua em 2010 e 2011. O modelo de financiamento no Brasil com base no FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador, principal fonte de recursos do BNDES] se esgotou", disse. Na avaliação de Francisco Barone, da Ebape-FGV, a mudança é essencial para que o BNDES continue competitivo na concessão de empréstimos para investimentos de longo prazo. "Reter lucro para projetos específicos é importante, especialmente se considerarmos que o PAC será o principal propulsor do crescimento do investimento neste ano."

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